Workshop no Rio de Janeiro recebeu especialistas para analisar o setor de downstream em 2025. As dinâmicas geopolíticas e econômicas globais e a demanda por combustíveis no Brasil foram os pontos chave debatidos no encontro
Impulsionado pelo crescimento econômico registrado em 2024, o mercado de combustíveis no Brasil se mostra resiliente, com uma demanda firme, especialmente de diesel. No entanto, o cenário global, marcado por tensões geopolíticas e a crescente pressão pela transição energética, impõe desafios e incertezas, exigindo atenção na definição das estratégias empresariais. Este foi o tom do “Workshop Conjuntura e Perspectivas para o Downstream em 2025”, promovido pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), na última quarta-feira (09/04), no Rio de Janeiro, que reuniu especialistas do setor para debater as perspectivas e os desafios para os próximos anos.
Ana Mandelli, diretora executiva de Downstream do IBP, abriu o Workshop ressaltando a conexão entre a economia nacional e a dinâmica global, observando que as políticas externas, a exemplo das tarifas em implementação pelo governo Trump, podem, eventualmente, impactar o escoamento das commodities brasileiras e, consequentemente, o consumo de combustíveis. “Esperamos ter uma boa reflexão sobre esse cenário e os desdobramentos nas atividades do nosso mercado”, afirmou a executiva.
Números apresentados pela Gerente de Análises Técnicas do IBP, Isabella Costa, mostraram um ano anterior de forte desempenho para o segmento de combustíveis. Em 2024, o crescimento econômico impulsionou a demanda total por combustíveis, que alcançou 155,6 milhões de metros cúbicos, um aumento de 4% em relação a 2023, com destaque para o diesel, que registrou um crescimento de 2,7%. O refino brasileiro também teve um bom desempenho, com seu melhor resultado em uma década, processando 125,9 milhões de metros cúbicos. Outro bom indicador foi a produção recorde de biocombustíveis, consolidando o Brasil como o segundo maior produtor mundial, sobretudo a produção de etanol hidratado, que registrou aumento de 12,3%.
O cenário geopolítico global, com conflitos como o da Rússia-Ucrânia e as políticas tarifárias anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foram apontados como fatores críticos que podem influenciar a dinâmica do setor de petróleo, gás e combustíveis. Felipe Perez, Diretor Estrategista de Downstream para Américas da S&P Global, destacou como as ações dos Estados Unidos, Rússia e China moldam a dinâmica global. Para Perez, as motivações por trás das decisões de Trump, como a redução do déficit comercial e o fortalecimento da indústria americana, e o uso de tarifas como ferramenta de persuasão, geram um sentimento de que a economia global pode passar por um ajuste, com potencial para recessão e consequente queda na demanda mundial.
Perez sinalizou para uma possível sobre oferta de diesel e gasolina em alguns mercados do ocidente, com a entrada de produção de refinarias na Nigéria e no México nos próximos dois anos, o que pode ser bom para países importadores, a exemplo do Brasil, no caso do diesel. Porém, alertou: “Mas em um cenário de recessão, o fechamento de unidades de refino não está descartado”.
Segundo o especialista, o processo de transição energética em curso, com a melhor eficiência dos veículos e a eletrificação, também pode impactar a demanda global por combustíveis. “Nos principais mercados, a gasolina tende a ter uma demanda reduzida, a exemplo dos EUA devido à eletrificação, enquanto o diesel se mostra mais equilibrado. Na China, a redução de demanda é mais acentuada para ambos os combustíveis”, concluiu.
Já Marcus D´Elia, Sócio-diretor da consultoria Leggio, observou que o consumo de biocombustíveis continua em ascensão, especialmente na Europa, abrindo oportunidades para o Brasil se posicionar como potencial fornecedor estratégico nos segmentos tradicionais, e, também, nos novos combustíveis avançados, HVO e SAF.
D´Elia enfatizou a necessidade de o Brasil construir uma imagem positiva como país com uma cadeia sustentável para seus produtos, especialmente na Europa, para viabilizar acordos voltados para o comércio de biocombustíveis. Os Estados Unidos (EUA) também permanecem um mercado promissor para os biocombustíveis brasileiros, contudo a forte competição com o mercado local, ainda apresenta um desafio a ser enfrentado. O crescimento do consumo de biocombustíveis nos EUA foi expressivo, saltando de 3 milhões de metros cúbicos em 2020 para 19 milhões de metros cúbicos em 2024. “Isso mostra a força desse mercado e oportunidades para os produtos brasileiros”, pontuou.
O especialista ainda observou o isolamento do mercado brasileiro de biodiesel com a vedação à importação do produto, o que desestimula a inovação e a eficiência na indústria nacional, bem como ressaltou que o custo do biodiesel no país representa um desafio para a competitividade no mercado global. D´Elia destacou ainda o potencial do mercado asiático para este produto.
Sobre o etanol, Marcus D´Elia explicou que o biocombustível brasileiro pode se beneficiar de certificações de baixa pegada de carbono, permitindo o acesso a nichos específicos como o mercado da Califórnia. “Esperamos que esse fluxo continue apesar das questões tarifárias, dada a necessidade ambiental e ao fato de representar um baixo volume nas importações norte-americanas”.
Ângela Oliveira Costa, Superintendente de Derivados de Petróleo e Biocombustíveis da EPE, apresentou os parâmetros utilizados na modelagem desenvolvida pela empresa de pesquisa energética e as projeções de curto prazo para a demanda de combustíveis líquidos no Brasil.
As projeções para 2025 indicam um crescimento de 2,5% na demanda por diesel (70 bilhões de litros) e de 2,8% para 2026 (72,5 bilhões de litros). O biodiesel também deve registrar aumento devido ao incremento no mandato de mistura, em 2026. No ciclo Otto, a Gasolina C deve crescer 5,1% em 2025 (46,4 bilhões de litros) e 0,6% em 2026 (46,7 bilhões de litros), enquanto o etanol hidratado deve ter uma queda de 5,3% em 2025 (22,3 bilhões de litros) e uma recuperação para 23 bilhões de litros em 2026. O Querosene de Aviação (QAV) deve crescer 3% em 2025 (7,2 bilhões de litros) e 1,2% em 2026 (7,3 bilhões de litros), e o GLP terá um aumento de 1,5% em 2025 (7,7 milhões de toneladas) e 0,9% em 2026 (7,8 milhões de toneladas).
Ângela Costa destacou a importância de políticas de estímulo no segmento como o Programa Mover e a Nova Indústria Brasil como iniciativas importantes para o setor de combustíveis. Ressaltou ainda que “a matriz de transporte brasileira é muito limpa”, em comparação com a de outros países.