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Nos últimos meses de 2021, diversos estados elaboraram projetos de lei sobre a prestação do serviço de gás canalizado e o mercado livre, com o objetivo de atualizar seus arcabouços regulatórios em linha com o novo marco legal federal, instituído pelo Lei n°14.134/21 (Nova Lei do Gás). Os estados da Paraíba, Maranhão, Pernambuco, Piauí e Ceará já estão com suas leis aprovadas, enquanto no estado do Rio Grande do Norte a proposta de lei está em fase final de tramitação.

Esse é um movimento que seria muito bem-visto pelo mercado, uma vez que existe a necessidade de elaboração de regras claras e objetivas referentes à atividade de distribuição em muitos estados, não fosse pelo fato de alguns destes processos terem ocorrido com pouca publicidade e, em alguns casos, com tramitação extremamente rápida, dificultando o salutar e democrático processo de consulta e discussão com as partes envolvidas.

Como consequência, diversos pontos destes novos dispositivos legais causam preocupação, por estarem desalinhados com os ditames da Nova Lei do Gás — esta, sim, amplamente discutida por muitos anos com toda a sociedade — e com o Manual Orientativo de Boas Práticas Regulatórias do Comitê de Monitoramento da Abertura do Mercado de Gás Natural (CMGN).

Neste sentido, são diretamente confrontantes com as disposições federais as normas de âmbito estadual que pretendem: i) introduzir uma definição de gasoduto de distribuição que se sobreponha ou seja conflitante com os critérios de definição dos gasodutos de transporte (uma vez que os Estados não detêm competência para tratar dessa matéria, nem para alterar disposição de lei federal); ii) atribuir às agências de regulação estaduais a classificação de dutos novos e reclassificação dos existentes; iii) impor requisitos demasiadamente limitantes ou processos demorados para migração do consumidor para o mercado livre; iv) criar novas taxas e encargos que oneram as transações do mercado livre; e v) se sobrepor à regulamentação da atividade de comercialização de gás, já tratada pela ANP.

Todos esses pontos têm impactos fundamentais para a atratividade dos Estados. Ressalta-se que a definição, no nível estadual, de regras de classificação dos gasodutos de distribuição em desalinho com a regulação federal coloca em risco um dos grandes benefícios pretendido pelo novo mercado de gás, que é o da construção de um amplo mercado nacional integrado por meio do sistema de transporte, promovendo assim uma maior segurança de suprimento, maior disponibilidade e competitividade do insumo para todos os consumidores do país.

Deste modo, ao contrário do que se deseja, os novos marcos estaduais oportunizariam a verticalização da distribuição, induzindo a criação de “ilhas de mercado” fomentadas por monopólios regionais, descaracterizando o sistema de redes e o ganho de escala que tenderia a beneficiar o consumidor. Acrescentam-se também custos desnecessários ao subutilizar infraestruturas existentes e compartilhadas.

Outro exemplo do efeito negativo de alguns novos dispositivos estaduais é a determinação de requisitos limitantes para a migração do consumidor livre, colocando obstáculos à abertura efetiva do mercado. São exigidos do consumidor livre a comprovação e assinatura (simultânea) de diversos contratos. Como exemplos, em Pernambuco e Paraíba determinou-se limite mínimo de consumo de 50 mil m³/dia, na contramão do que vem sendo implementado nos outros estados da federação (10 mil m³/dia, ou zero no caso de São Paulo). Já no Ceará é previsto até um encargo adicional, denominado “gestão do mercado livre”.

E mesmo quando o limite é adequado, observa-se que algumas legislações estaduais determinam regras desnecessariamente burocráticas e onerosas para a comercialização de gás, atividade já regulada a nível federal, impondo a necessidade de autorização estadual para comercializadores, com a abertura de filiais nos estados, requisitos nos contratos livres e criação de novas taxas e encargos para venda de gás no mercado livre – o que, por certo, não está em harmonia com o dinamismo e competitividade tão almejados no NMG

Assim, faz-se mister que os estados ampliem as discussões sobre estas temas e evitem retrocessos e conflitos com a legislação federal que dificultem ou tornem mais lentos os processos de abertura do mercado de gás, podendo no pior dos casos, gerar judicializações não desejáveis em um mercado que está se abrindo e necessita de segurança jurídica.

Assim, no estado onde ainda tramita projeto de lei sobre o assunto (RN) deveriam ser realizadas audiências públicas com amplo debate, ocasião que contaria com a participação das associações signatárias desta carta além de outros interessados. E para os estados que acabaram de editar suas leis, que seja feito um esforço para aprimorar os pontos frágeis dessas legislações, de forma transparente e, também, envolvendo todos os interessados.

Um grande mercado nacional de gás natural possibilitará o aumento dos investimentos e da competitividade em todos os elos da cadeia, sem gerar privilégios a nenhum agente econômico, mas, sim, benefícios concretos para toda a sociedade.

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