O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), principal representante nacional do setor de petróleo e combustíveis e ciente da importância da bioenergia no processo de transição energética apoia o texto original do Projeto de Lei 4516/23, de autoria do Poder Executivo, em tramitação na Câmara. O texto proposto pelo Executivo reflete as discussões, coordenadas pelo Ministério das Minas e Energia, com a sociedade brasileira dentro do Programa Combustível do Futuro e dispõe sobre a promoção da mobilidade sustentável de baixo carbono, o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação e o Programa Nacional de Diesel Verde. Tais iniciativas legislativas representam um importante marco para a agenda verde do País, ao incentivar o avanço da descarbonização na matriz de transporte. As discussões tiveram a participação de representantes da sociedade que puderam contribuir com as questões técnicas para formação da proposta enviada ao Congresso.
Por este motivo, o IBP vê com ressalvas e preocupação a Minuta de Substitutivo apresentada pelo relator Deputado Arnaldo Jardim (CID/SP) que, apesar de respeitar o texto original, inclui pontos não abordados anteriormente e, consequentemente, não amplamente debatidos com a sociedade.
O PL acertadamente propõe a introdução de novas rotas tecnológicas para produção de biocombustíveis, como o diesel verde (HVO) e o combustível sustentável de aviação (SAF), que podem ser utilizados em motores e equipamentos existentes sem a necessidade de alteração de infraestrutura, devido à sua característica drop-in. Também inova ao mirar na efetiva redução dos gases de efeito estufa e estabelecer um mandato de descarbonização para o setor de aviação, em vez de meramente estimular as misturas volumétricas de biocombustíveis aos produtos fósseis, adotadas historicamente no Brasil. Este modelo, bem-sucedido internacionalmente, avalia o ciclo de vida dos produtos e incentiva o uso de outras rotas para fins de atendimento das metas de redução de emissões podendo os consumidores escolherem entre o produto mais eficiente.
No entanto, o texto substitutivo apresentado pelo relator, Deputado Arnaldo Jardim traz os seguintes pontos de preocupação:
i) Viabilidade técnica: o texto, corretamente, prevê a necessidade de comprovar a viabilidade técnica para elevação do percentual de anidro na gasolina para 35%, no entanto, não faz a mesma previsão para a elevação de biodiesel para 20% até 2030, ou 25% após 2031. Consideramos fundamental que os produtos tenham isonomia de tratamento e a certificação de viabilidade técnica, através da realização de testes e ensaios que avaliem os impactos técnico-mecânicos, econômicos e ambientais da elevação de mistura. O aprimoramento da política pública deve considerar os aprendizados dos últimos anos, bem como os diferentes estudos que indicam a elevação dos custos de manutenção de motores e o aumento da emissão de poluentes atmosféricos na queima do biodiesel éster, como o óxido de nitrogênio (NOX).
ii) Diversidade de rotas de produção: novas tecnologias têm avançado no mundo inteiro, enquanto no Brasil se utiliza atualmente apenas a rota de transesterificação para a produção de biodiesel. Além da introdução do Diesel Verde, já previsto no texto, deve ser incentivada a utilização de outras tecnologias modernas que permitem o avanço da mistura sem a necessidade de adequação de máquinas e motores – produtos drop-in. Isto é importante em função da evolução tecnológica dos motores que traz limites de emissão veicular mais rígidos, com a consequente exigência de combustíveis com elevado teor de pureza. A diversidade de produtos estimula a competição, o aumento de qualidade e o uso do produto mais eficiente de acordo com a necessidade de cada consumidor, com consequentes benefícios de oferta e preço.
iii) Neoindustrialização: a introdução de novas tecnologias estimula o desenvolvimento da indústria nacional aproveitando o enorme potencial agrícola brasileiro por meio da ampliação do uso da biomassa, pois estas novas rotas não dependem da importação de insumos, como o metanol no caso do biodiesel éster. A adoção de novas tecnologias amplia a capacidade de desenvolvimento da produção nacional.
iv) Governança: devem ser preservados os poderes do CNPE para decisões sobre o percentual das misturas, pois este é o colegiado competente, com visão holística do mercado, para definir a política energética. E tal flexibilidade é necessária para segurança do abastecimento nacional.
v) Programa Nacional de Biometano: ressaltamos inicialmente que o IBP não é contra esse combustível, tendo em vista sua intercambialidade e complementariedade com o gás natural e seu potencial para a descarbonização da cadeia do gás natural. Porém, a nosso ver, a inserção intempestiva deste Programa neste PL que trata de combustíveis de mobilidade – sem uma devida análise técnica e econômica dos impactos para o mercado de gás natural e sem a participação ampla dos agentes da cadeia do gás natural – coloca em risco a execução e o sucesso de outras políticas do governo que visam aumentar a oferta e a competitividade do gás natural. Especificamente, preocupa-nos a obrigatoriedade de compra de biometano (ou de certificados de origem) pelos produtores de gás natural que, entre outras considerações, precisa resguardar os contratos já assinados e considerar as outras opções de descarbonização das empresas de E&P que possam ser mais eficientes.
O desenvolvimento de novos biocombustíveis exige elevados montantes de investimentos e, portanto, o arcabouço regulatório e legislativo deve ser claro, viabilizando os aportes necessários em novas tecnologias.
O IBP acredita que o PL Combustível do Futuro, se aprovado com estas considerações, levará o Brasil a um papel de destaque no processo da transição energética.